Há 506 anos, Martinho Lutero pregou suas 95 teses na porta de uma igreja e desencadeou a maior convulsão religiosa e intelectual de todos os tempos.
Neste 31 de outubro, os cristãos comemoram 506 anos da Reforma Protestante. Será que o movimento reformista, que ficou conhecido a partir de Martinho Lutero, ainda queima no coração da Igreja?
O evento desencadeou a convulsão religiosa, política, intelectual e cultural do século XVI, que fragmentou a Europa católica, estabelecendo as estruturas e crenças que definiriam o continente na era moderna.
Como lembra um artigo do History: “No norte e centro da Europa, reformadores como Martinho Lutero, João Calvino e Henrique VIII desafiaram a autoridade papal e questionaram a capacidade da Igreja Católica de definir a prática cristã”.
A ruptura desencadeou guerras, perseguições e a chamada Contra-Reforma — reação da Igreja Católica ao avanço do protestantismo — por meio da catequização de pessoas através de jesuítas, da reativação do tribunal da Inquisição e da proibição de certos livros.
‘Purificação da Igreja’
Historiadores costumam datar o início da Reforma Protestante em 1517, quando Martinho Lutero pregou suas 95 teses na porta da capela de Wittemberg, na Alemanha.
As principais ideias da Reforma giravam em torno da “purificação da Igreja” e do acesso dos fiéis à Bíblia, para que a palavra de Deus e não a tradição fosse a única fonte de autoridade espiritual.
Para disseminar essa ideia, Lutero e os outros reformadores usaram o poder da imprensa. Entre 1518 e 1525, ele publicou mais obras do que a soma que os 17 reformadores seguintes publicaram.
“Não foi uma inovação, mas uma volta às Escrituras”
De acordo com o pastor Hernandes Dias Lopes, o movimento da Reforma Protestante “rompeu com os desmandos do papado e com os desvios doutrinários da igreja”.
“A Reforma não foi uma inovação da igreja, mas uma volta às Escrituras. Seu propósito foi fazer uma correção de rota e seguir pelas mesmas pegadas trilhadas pelos apóstolos”, disse através de uma publicação em seu Facebook.
“A reforma colocou a igreja de volta nos trilhos da verdade. A verdade de que a Bíblia é a nossa única regra de fé e prática e devemos rejeitar decisivamente todas as doutrinas que não estiveram amparadas pelas Escrituras”, escreveu.
“A verdade de que a salvação é pela fé e não pelas obras. Não somos salvos pelas obras que fazemos para Deus, mas pela obra que Cristo fez por nós na cruz. A verdade de que somos salvos pela graça de Deus e não pelos méritos humanos (…) A verdade de que a Deus pertence o poder, honra e a glória, agora e pelos séculos eternos”, ele resumiu.
Sobre Martinho Lutero
O monge agostiniano e professor universitário em Wittenberg, Martinho Lutero (1483-1546) compôs suas “95 teses”, que protestavam contra a venda de indultos de penitência ou indulgências, por parte do papa.
Ele esperava estimular a renovação dentro da igreja, em 1521, quando foi convocado perante a “Dieta de Worms” e foi excomungado. A palavra “dieta” vem do latim díaita e significa “modo de viver”.
Logo, a assembleia política e administrativa tinha como foco ditar as regras de Worms que, na época, era uma cidade livre do império. Este tipo de assembleia era um órgão deliberativo formal e suas decisões valiam para todo o império.
Lutero traduziu a Bíblia para o alemão e continuou sua produção de panfletos. Quando os camponeses alemães, inspirados em parte pelo “sacerdócio de todos os crentes” de Lutero, se revoltaram em 1524, Lutero ficou do lado dos príncipes da Alemanha.
No final da Reforma, o luteranismo tornou-se a religião do estado em grande parte da Alemanha, Escandinávia e Báltico.
Suíça e o Calvinismo
A Reforma Suíça começou em 1519 com os sermões de Ulrich Zwingli, cujos ensinamentos em grande parte se assemelhavam aos de Lutero.
Em 1541, João Calvino, um protestante francês que havia passado a década anterior no exílio escrevendo suas “Institutas da Religião Cristã”, foi convidado a se estabelecer em Genebra e colocar em prática sua doutrina reformada.
A base dessa doutrina enfatizava o poder de Deus e o destino predestinado da humanidade. O resultado foi um regime teocrático de moralidade imposta e austera.
A Genebra de Calvino tornou-se um viveiro para exilados protestantes e suas doutrinas rapidamente se espalharam para a Escócia, França, Transilvânia e Países Baixos, onde o calvinismo holandês se tornou uma força religiosa e econômica pelos próximos 400 anos.
A Reforma na Inglaterra
Em 1534, o rei da Inglaterra, Henrique VIII, declarou que somente ele deveria ser a autoridade final em assuntos relacionados à igreja inglesa.
Ele dissolveu os mosteiros da Inglaterra para confiscar suas riquezas e trabalhou para colocar a Bíblia nas mãos do povo. A partir de 1536, todas as paróquias eram obrigadas a ter uma cópia.
Após a morte de Henrique, a Inglaterra se inclinou para o protestantismo de influência calvinista, durante o reinado de seis anos de Eduardo VI, e depois suportou cinco anos de catolicismo reacionário sob Maria I.
Em 1559 , Elizabeth I assumiu o trono e, durante seu reinado de 44 anos, colocou a Igreja da Inglaterra como um “caminho do meio” entre o calvinismo e o catolicismo.
A Contra-Reforma
A Igreja Católica demorou a responder sistematicamente às inovações teológicas e publicitárias de Lutero e de outros reformadores.
O Concílio de Trento, que se reuniu de 1545 a 1563, articulou a resposta da Igreja aos problemas que desencadearam a Reforma e aos próprios reformadores.
A Igreja Católica da era da Contra-Reforma tornou-se mais espiritual, mais alfabetizada e mais educada. Havia também novas ordens religiosas.
Os jesuítas combinavam espiritualidade rigorosa com um intelectualismo de mentalidade global. Enquanto isso, místicos como Teresa de Ávila injetavam nova paixão nas ordens mais antigas.
As inquisições, tanto na Espanha quanto em Roma, foram reorganizadas para combater a ameaça da heresia protestante.
Mudanças duradouras
Junto com as consequências religiosas da Reforma e da Contra-Reforma vieram mudanças políticas profundas e duradouras.
As novas liberdades religiosas e políticas do norte da Europa tiveram um grande custo, com décadas de rebeliões, guerras e perseguições sangrentas.
Só a Guerra dos Trinta Anos pode ter custado à Alemanha 40% de sua população. Mas as repercussões positivas da Reforma podem ser vistas no florescimento intelectual e cultural que ela inspira até os dias de hoje.
As 95 teses
Pregadas na porta da Catedral da cidade Wittenberg, Alemanha, os argumentos do ex-monge Lutero não pediam que a Igreja se dividisse, mas que passasse por uma reforma teológica, abandonando práticas que contrariavam as Escrituras Sagradas. Rejeitadas pelo Vaticano, foram o início do que seria mais tarde a Igreja Luterana.
Entre as propostas de Lutero estava a de traduzir a Bíblia para que todos pudessem conhecer a Palavra de Deus. Até então isso era privilégio do clero. Foi uma verdadeira revolução no cristianismo. Lutero baseava-se em “5 pilares” que são usados até hoje para definir a fé protestante: “Somente a Escritura, somente a Fé, somente a Graça, somente Cristo e Glória somente a Deus”.
Os ideais se espalharam pela Europa e encontraram eco em vários movimentos similares. Essa é a raiz das igrejas evangélicas que se espalham por todo o mundo até hoje. Embora pouco divulgada pelas igrejas no Brasil, o fato é que a Reforma ajudou a mudar a história.
Lutero foi apoiado por vários religiosos e governantes europeus provocando uma revolução religiosa, iniciada na Alemanha, estendendo-se pela Suíça, França, Países Baixos, Reino Unido, Escandinávia e algumas partes do Leste europeu, principalmente os Países Bálticos e a Hungria. A resposta da Igreja Católica Romana foi o movimento conhecido como Contrarreforma ou Reforma Católica, iniciada no Concílio de Trento.
O resultado da Reforma Protestante foi a divisão da chamada Igreja do Ocidente entre os católicos romanos e os reformados ou protestantes, originando o protestantismo.
Após cinco séculos, a Reforma continua inspirando milhares de cristãos no mundo inteiro.
Essas são as 95 teses que deram origem à Reforma:
- Ao dizer: “Fazei penitência”, etc. [Mt 4.17], o nosso Senhor e Mestre Jesus Cristo quis que toda a vida dos fiéis fosse penitência.
- Esta penitência não pode ser entendida como penitência sacramental (isto é, da confissão e satisfação celebrada pelo ministério dos sacerdotes).
- No entanto, ela não se refere apenas a uma penitência interior; sim, a penitência interior seria nula se, externamente, não produzisse toda sorte de mortificação da carne.
- Por consequência, a pena perdura enquanto persiste o ódio de si mesmo (isto é a verdadeira penitência interior), ou seja, até a entrada do reino dos céus.
- O papa não quer nem pode dispensar de quaisquer penas senão daquelas que impôs por decisão própria ou dos cânones.
- O papa não tem o poder de perdoar culpa a não ser declarando ou confirmando que ela foi perdoada por Deus; ou, certamente, perdoados os casos que lhe são reservados. Se ele deixasse de observar essas limitações, a culpa permaneceria.
- Deus não perdoa a culpa de qualquer pessoa sem, ao mesmo tempo, sujeitá-la, em tudo humilhada, ao sacerdote, seu vigário.
- Os cânones penitenciais são impostos apenas aos vivos; segundo os mesmos cânones, nada deve ser imposto aos moribundos.
- Por isso, o Espírito Santo nos beneficia através do papa quando este, em seus decretos, sempre exclui a circunstância da morte e da necessidade.
- Agem mal e sem conhecimento de causa aqueles sacerdotes que reservam aos moribundos penitências canônicas para o purgatório.
- Essa cizânia de transformar a pena canônica em pena do purgatório parece ter sido semeada enquanto os bispos certamente dormiam.
- Antigamente se impunham as penas canônicas não depois, mas antes da absolvição, como verificação da verdadeira contrição.
- Através da morte, os moribundos pagam tudo e já estão mortos para as leis canônicas, tendo, por direito, isenção das mesmas.
- Saúde ou amor imperfeito no moribundo necessariamente traz consigo grande temor, e tanto mais quanto menor for o amor.
- Este temor e horror por si sós já bastam (para não falar de outras coisas) para produzir a pena do purgatório, uma vez que estão próximos do horror do desespero.
- Inferno, purgatório e céu parecem diferir da mesma forma que o desespero, o semidesespero e a segurança.
- Parece necessário, para as almas no purgatório, que o horror devesse diminuir à medida que o amor crescesse.
- Parece não ter sido provado, nem por meio de argumentos racionais nem da Escritura, que elas se encontrem fora do estado de mérito ou de crescimento no amor.
- Também parece não ter sido provado que as almas no purgatório estejam certas de sua bem-aventurança, ao menos não todas, mesmo que nós, de nossa parte, tenhamos plena certeza disso.
- Portanto, por remissão plena de todas as penas, o papa não entende simplesmente todas, mas somente aquelas que ele mesmo impôs.
- Erram, portanto, os pregadores de indulgências que afirmam que a pessoa é absolvida de toda pena e salva pelas indulgências do papa.
- Com efeito, ele não dispensa as almas no purgatório de uma única pena que, segundo os cânones, elas deveriam ter pago nesta vida.
- Se é que se pode dar algum perdão de todas as penas a alguém, ele, certamente, só é dado aos mais perfeitos, isto é, pouquíssimos.
- Por isso, a maior parte do povo está sendo necessariamente ludibriada por essa magnífica e indistinta promessa de absolvição da pena.
- O mesmo poder que o papa tem sobre o purgatório de modo geral, qualquer bispo e cura tem em sua diocese e paróquia em particular.
- O papa faz muito bem ao dar remissão às almas não pelo poder das chaves (que ele não tem), mas por meio de intercessão.
- Pregam doutrina mundana os que dizem que, tão logo tilintar a moeda lançada na caixa, a alma sairá voando [do purgatório para o céu].
- Certo é que, ao tilintar a moeda na caixa, pode aumentar o lucro e a cobiça; a intercessão da Igreja, porém, depende apenas da vontade de Deus.
- E quem é que sabe se todas as almas no purgatório querem ser resgatadas, como na história contada a respeito de São Severino e São Pascoal?
- Ninguém tem certeza da veracidade de sua contrição, muito menos de haver conseguido plena remissão.
- Tão raro como quem é penitente de verdade é quem adquire autenticamente as indulgências, ou seja, é raríssimo.
- Serão condenados em eternidade, juntamente com seus mestres, aqueles que se julgam seguros de sua salvação através de carta de indulgência.
- Deve-se ter muita cautela com aqueles que dizem serem as indulgências do papa aquela inestimável dádiva de Deus através da qual a pessoa é reconciliada com Ele.
- Pois aquelas graças das indulgências se referem somente às penas de satisfação sacramental, determinadas por seres humanos.
- Os que ensinam que a contrição não é necessária para obter redenção ou indulgência, estão pregando doutrinas incompatíveis com o cristão.
- Qualquer cristão que está verdadeiramente contrito tem remissão plena tanto da pena como da culpa, que são suas dívidas, mesmo sem uma carta de indulgência.
- Qualquer cristão verdadeiro, vivo ou morto, participa de todos os benefícios de Cristo e da Igreja, que são dons de Deus, mesmo sem carta de indulgência.
- Contudo, o perdão distribuído pelo papa não deve ser desprezado, pois – como disse – é uma declaração da remissão divina.
- Até mesmo para os mais doutos teólogos é dificílimo exaltar simultaneamente perante o povo a liberalidade de indulgências e a verdadeira contrição.
- A verdadeira contrição procura e ama as penas, ao passo que a abundância das indulgências as afrouxa e faz odiá-las, ou pelo menos dá ocasião para tanto.
- Deve-se pregar com muita cautela sobre as indulgências apostólicas, para que o povo não as julgue erroneamente como preferíveis às demais boas obras do amor.
- Deve-se ensinar aos cristãos que não é pensamento do papa que a compra de indulgências possa, de alguma forma, ser comparada com as obras de misericórdia.
- Deve-se ensinar aos cristãos que, dando ao pobre ou emprestando ao necessitado, procedem melhor do que se comprassem indulgências.
- Ocorre que através da obra de amor cresce o amor e a pessoa se torna melhor, ao passo que com as indulgências ela não se torna melhor, mas apenas mais livre da pena.
- Deve-se ensinar aos cristãos que quem vê um carente e o negligencia para gastar com indulgências obtém para si não as indulgências do papa, mas a ira de Deus.
- Deve-se ensinar aos cristãos que, se não tiverem bens em abundância, devem conservar o que é necessário para sua casa e de forma alguma desperdiçar dinheiro com indulgência.
- Deve-se ensinar aos cristãos que a compra de indulgências é livre e não constitui obrigação.
- Deve ensinar-se aos cristãos que, ao conceder perdões, o papa tem mais desejo (assim como tem mais necessidade) de oração devota em seu favor do que do dinheiro que se está pronto a pagar.
- Deve-se ensinar aos cristãos que as indulgências do papa são úteis se não depositam sua confiança nelas, porém, extremamente prejudiciais se perdem o temor de Deus por causa delas.
- Deve-se ensinar aos cristãos que, se o papa soubesse das exações dos pregadores de indulgências, preferiria reduzir a cinzas a Basílica de S. Pedro a edificá-la com a pele, a carne e os ossos de suas ovelhas.
- Deve-se ensinar aos cristãos que o papa estaria disposto – como é seu dever – a dar do seu dinheiro àqueles muitos de quem alguns pregadores de indulgências extorquem ardilosamente o dinheiro, mesmo que para isto fosse necessário vender a Basílica de S. Pedro.
- Vã é a confiança na salvação por meio de cartas de indulgências, mesmo que o comissário ou até mesmo o próprio papa desse sua alma como garantia pelas mesmas.
- São inimigos de Cristo e do Papa aqueles que, por causa da pregação de indulgências, fazem calar por inteiro a palavra de Deus nas demais igrejas.
- Ofende-se a palavra de Deus quando, em um mesmo sermão, se dedica tanto ou mais tempo às indulgências do que a ela.
- A atitude do Papa necessariamente é: se as indulgências (que são o menos importante) são celebradas com um toque de sino, uma procissão e uma cerimônia, o Evangelho (que é o mais importante) deve ser anunciado com uma centena de sinos, procissões e cerimônias.
- Os tesouros da Igreja, a partir dos quais o papa concede as indulgências, não são suficientemente mencionados nem conhecidos entre o povo de Cristo.
- É evidente que eles, certamente, não são de natureza temporal, visto que muitos pregadores não os distribuem tão facilmente, mas apenas os ajuntam.
- Eles tampouco são os méritos de Cristo e dos santos, pois estes sempre operam, sem o papa, a graça do ser humano interior e a cruz, a morte e o inferno do ser humano exterior.
- S. Lourenço disse que os pobres da Igreja são os tesouros da mesma, empregando, no entanto, a palavra como era usada em sua época.
- É sem temeridade que dizemos que as chaves da Igreja, que foram proporcionadas pelo mérito de Cristo, constituem estes tesouros.
- Pois está claro que, para a remissão das penas e dos casos especiais, o poder do papa por si só é suficiente.
- O verdadeiro tesouro da Igreja é o santíssimo Evangelho da glória e da graça de Deus.
- Mas este tesouro é certamente o mais odiado, pois faz com que os primeiros sejam os últimos.
- Em contrapartida, o tesouro das indulgências é certamente o mais benquisto, pois faz dos últimos os primeiros.
- Portanto, os tesouros do Evangelho são as redes com que outrora se pescavam homens possuidores de riquezas.
- Os tesouros das indulgências, por sua vez, são as redes com que hoje se pesca a riqueza dos homens.
- As indulgências apregoadas pelos seus vendedores como as maiores graças realmente podem ser entendidas como tais, na medida em que dão boa renda.
- Entretanto, na verdade, elas são as graças mais ínfimas em comparação com a graça de Deus e a piedade da cruz.
- Os bispos e curas têm a obrigação de admitir com toda a reverência os comissários de indulgências apostólicas.
- Têm, porém, a obrigação ainda maior de observar com os dois olhos e atentar com ambos os ouvidos para que esses comissários não preguem os seus próprios sonhos em lugar do que lhes foi incumbidos pelo papa.
- Seja excomungado e amaldiçoado quem falar contra a verdade das indulgências apostólicas.
- Seja bendito, porém, quem ficar alerta contra a devassidão e licenciosidade das palavras de um pregador de indulgências.
- Assim como o papa, com razão, fulmina aqueles que, de qualquer forma, procuram defraudar o comércio de indulgências,
- muito mais deseja fulminar aqueles que, a pretexto das indulgências, procuram fraudar a santa caridade e verdade.
- A opinião de que as indulgências papais são tão eficazes a ponto de poderem absolver um homem mesmo que tivesse violentado a mãe de Deus, caso isso fosse possível, é loucura.
- Afirmamos, pelo contrário, que as indulgências papais não podem anular sequer o menor dos pecados venais no que se refere à sua culpa.
- A afirmação de que nem mesmo São Pedro, caso fosse o papa atualmente, poderia conceder maiores graças é blasfêmia contra São Pedro e o Papa.
- Dizemos contra isto que qualquer papa, mesmo São Pedro, tem maiores graças que essas, a saber, o Evangelho, as virtudes, as graças da administração (ou da cura), etc., como está escrito em I Coríntios XII.
- É blasfêmia dizer que a cruz com as armas do papa, insigneamente erguida, eqüivale à cruz de Cristo.
- Terão que prestar contas os bispos, curas e teólogos que permitem que semelhantes sermões sejam difundidos entre o povo.
- Essa licenciosa pregação de indulgências faz com que não seja fácil nem para os homens doutos defender a dignidade do papa contra calúnias ou questões, sem dúvida argutas, dos leigos.
- Por exemplo: Por que o papa não esvazia o purgatório por causa do santíssimo amor e da extrema necessidade das almas – o que seria a mais justa de todas as causas, se redime um número infinito de almas por causa do funestíssimo dinheiro para a construção da basílica – que é uma causa tão insignificante?
- Do mesmo modo: Por que se mantêm as exéquias e os aniversários dos falecidos e por que ele não restitui ou permite que se recebam de volta as doações efetuadas em favor deles, visto que já não é justo orar pelos redimidos?
- Do mesmo modo: Que nova piedade de Deus e do papa é essa que, por causa do dinheiro, permite ao ímpio e inimigo redimir uma alma piedosa e amiga de Deus, mas não a redime por causa da necessidade da mesma alma piedosa e dileta por amor gratuito?
- Do mesmo modo: Por que os cânones penitenciais – de fato e por desuso já há muito revogados e mortos – ainda assim são redimidos com dinheiro, pela concessão de indulgências, como se ainda estivessem em pleno vigor?
- Do mesmo modo: Por que o papa, cuja fortuna hoje é maior do que a dos ricos mais crassos, não constrói com seu próprio dinheiro ao menos esta uma basílica de São Pedro, ao invés de fazê-lo com o dinheiro dos pobres fiéis?
- Do mesmo modo: O que é que o papa perdoa e concede àqueles que, pela contrição perfeita, têm direito à plena remissão e participação?
- Do mesmo modo: Que benefício maior se poderia proporcionar à Igreja do que se o papa, assim como agora o faz uma vez, da mesma forma concedesse essas remissões e participações cem vezes ao dia a qualquer dos fiéis?
- Já que, com as indulgências, o papa procura mais a salvação das almas do que o dinheiro, por que suspende as cartas e indulgências, outrora já concedidas, se são igualmente eficazes?
- Reprimir esses argumentos muito perspicazes dos leigos somente pela força, sem refutá-los apresentando razões, significa expor a Igreja e o papa à zombaria dos inimigos e fazer os cristãos infelizes.
- Se, portanto, as indulgências fossem pregadas em conformidade com o espírito e a opinião do papa, todas essas objeções poderiam ser facilmente respondidas e nem mesmo teriam surgido.
- Portanto, fora com todos esses profetas que dizem ao povo de Cristo “Paz, paz!” sem que haja paz!
- Que prosperem todos os profetas que dizem ao povo de Cristo “Cruz! Cruz!” sem que haja cruz!
- Devem-se exortar os cristãos a que se esforcem por seguir a Cristo, seu cabeça, através das penas, da morte e do inferno.
- E que confiem entrar no céu antes passando por muitas tribulações do que por meio da confiança da paz.
Fonte: Folha Gospel